Ao falar, me canso, ao calar me exalto.
quem assina
vacina de si mesmo a palavra que não lhe pertence.
ao sair daqui, não há separação de bens, cartórios nem advogados
envolvidos que possam reaver o que por bem deveria ser sabido de pequeno.
somente à ética pertence qualquer verbete proferido,
organizado ou não,
rimado ou desritmado.
o que é seu está guardado
no lado esquerdo de uma massa
dita cinzenta
mas que reflete
como num prisma
toda gama capaz de existir
em um branco feixe de luz.
hoje sou voce sem acento,
amanhã serei você no plural
quem serei eu ao dizer que
a mim pertencem aquelas que
nem sempre com fluidez
de mim se desgarraram?
serei tu, ele, vós, nunca nós
pois só alheio a minha vontade
diria uma coisa dessas.
Gozado pensar assim.
Dia desses refletia sobre a muleta que criamos para auxiliar a memória.
e que pode ter sido o boom da evolução, ou não!
O registro por assim dizer, nos poupa de gravar dentro o que pode ser arquivado fora.
Assim sendo, nunca decoro o que escrevo, nem mesmo o que leio.
ao final de uma página me percebo incapaz de lembrar o que dizia o primeiro parágrafo.
ao final de um livro, já não lembro se havia prefácio, folha de rosto, ou mesmo enquanto desfruto de qualquer brochura, me indago de que cor seria a capa.
Esquisito, não?
Me recordo agora de um professor que certa vez nos fez uma pergunta ordinária.
Sem que pudessémos olhar para trás ele falou: há alguma tomada naquela parede? (a parede do fundo da sala de aula) um momento de hesitação foi o gancho para ele prosseguir... de que cor é a tomada? No ar ficaram duas medíocres dúvidas que ninguém ousava afirmar.
Li há pouco, não lembro onde (confesso), uma reportagem sobre como somos mal treinadores da memória, tanto coletiva quanto pessoal.
Ah! sim...sim, li na revista Seleções.
A matéria me fez pensar, em stand by, sabe? eu penso, mas não noto que penso e depois de semanas me vejo com certas indagações urrando por respostas.
Enfim, chego a conclusão que o registro nos inibe tal treinamento, nos faz acomodados, preguiçosos e displiscentes com algo que pode se agravar com os anos e degradar nossa qualidade de vida futura.
Para quê decorar uma receita de bolo se o livro está logo ali na estante?
Para quê decorar um romance, se comprei o livro, e mesmo que fosse alugado, ele sempre estará a disposição para eventuais reencontros?
Para quê lembrar-se dos finais de novela se há o vale a pena ver de novo?
uma nova exibição de uma trama emblemática, e lá vamos nós pr'um novo bolão, apostar quem matou, explodiu, suicidou-se, casou, separou, passeou no jardim botânico, virou pedra, comeu flor, morreu, virou nuvem, foi preso, julgado, eleito etc e tal.
Passeando por esse assunto...arrisco até a dizer que a tal milagrosa e modernézima urna eletrônica que só o Brasil usa (pq é o must dos musts em anti-fraude certo?) deveria emitir um boleto de voto, com número, nome e foto do candidato em que votamos, sim, isso evitaria no mínino situações vexatórias em pesquisas públicas sobre eleições passadas.
Você lembra quais candidatos foram agraciados com seu voto nas últimas duas eleições?
você lembra ao menos se a última eleição foi pra presidente ou pra prefeito? Ah! Essa é fácil, pois a apenas algumas semanas, nosso digníssimo animal marínho completou seu quadro ministerial do segundo mandato, ou seria terceiro?
Pelo andar da carruagem, já nem lembro em que ponto peguei o ônibus, nem ao menos estou certo se peguei o certo. (ih!!!!! palavras repetidas na mesma frase... desculpa, esqueci que já havia usado "certo") mas cá entre nós, os ônibus deveriam repetir a cor da lataria também no interior, não acham?
Outro dia peguei um ônibus, sim era o certo, mas na hora de descer achei que havia pego outro e briguei com o motorista por me deixar longe do ponto. Quanta confusão por culpa da péssima atenção e acomodada memória. Eu estava descendo no ponto que queria, mas por achar que estava em outra linha de ônibus, programei minha cabeça para descer um ponto antes e andar duas quadras até meu destino.
Veja que loucura!! E pessoas assim ainda circulam por aí, sem qualquer identificação de insanidade.
Assim também funciona minha memória fotográfica,
canon Fk-500.
Tô brincando, quando criança devo ter sido fotografado com uma rollerflex (é assim?).
Enfim, graças à rolos e mais rolos de filmes, posso dizer que lembro da minha infâcia.
Quanta infâmia!!
Quanta cara-de-pau!
Num país com nome de pau, a economia deveria sobreviver de óleo de peroba. Se pelo menos bons cremes para as madeiras faciais atingissem a toda população, poderíamos entrar no ranking das superpotências.
Mas voltando ao primeiro gole de café, lembro-me apenas e verdadeiramente, do que me foi contado sobre os momentos registrados em fotos.
Quando somos pequenos, o mundo é por nós percebido como exagerado.
Tudo é grande demais, alto demais, extenso demais,
confortável demais e o oposto demais também.
Quem já teve a experiência de visitar, anos depois,
a casa em que foi criado piá, já sentiu essa sensação.
Nossa como parecia ser enorme esta pequena casa!!
(é um dos primeiros pensamentos que temos)
E ao refazer um percurso de infância?? O que antigamente era de casa até o colégio, hoje é de nada para lugar algum, mas que mesmo assim parece bem mais curto. Antes eu dava 4 passos apressados para cada passo da minha mãe e cada dois passos da minha irmã, mais velha é claro.
Hoje minha irmã me acompanha, e minha mãe tem que dar dois passos para cada um meu. Eu cresci, ela já havia crescido. Hoje sou maior, um dia fui parte dela. E ela, com nossos momentos não fotografados, não registrados em diários, não explorados por nenhum registro e que ainda hoje permanecem, ainda que poucos, em sua memória, é a minha ponte entre pés tamanho 43, um corpo de 1,80m e a foto em que eu cabia numa banheira com menos de 60cm de comprimento.
Quem mais senão a irregistrável, e com potêncial pouco conhecido, memória afetiva, para me garantir que sou a soma de tudo que dizem que um dia eu fui?
A propósito, a menos que comece a treinar bem sua memória, AGORA!, tire incontáveis fotos de todos os momentos picorruchos do seu pimpolho, antes que ele cresça e vc não passe de uma frágil corda entre o futuro/presente, e o presente/passado dele!
Ah! e o estopim para meus devaneios sobre muletas, fotos, registros e memórias foi uma frase desse cara aí:
Fabrício Carpinejar
"Ainda prefiro os poemas que não escrevi. Não foram julgados pela releitura. Foram perdoados pela voz."
e certamente continuam flutuando pela memória.
O assunto é vasto, os afluentes são numerosos e perder-me no caminho das palavras é sempre inevitável. perdoem quem quer que as tenha derramado. já não lembro quem fui!
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