dimanche 19 novembre 2006

Do livro de memórias indispensáveis à loucura.

C.01 - Decisões, escolhas, vontades e o status quo perturbado pelas infinitas possibilidades que uma ação, ou a renúncia dela, implica.

Foi num taxi, entre três e quatro da madrugada de um dia tranquilo, em meados de abril, que a situação chegou ao limiar da decisão, que não foi tomada.
Não era a primeira e ele sabia que poderia não ser a última, ou, como atazanava a incerteza, poderia ser a última. Talvez por isso tenha pesado tanto, causado tanto desconforto.
Eles eram conhecidos de longa data. Mais que isso. Eram amigos, quase irmãos. E já tinham sido meros conhecidos, pouco amigos, muito amigos, confidentes, companheiros, menos companheiros, mais rivais, pouco rivais e talvez até amantes secretos de desejos sublimados. Bom, esse último era o que ele mais queria acreditar que pudesse ter rolado nesses mais de 15 anos de amizade e mais que amizade, outrora menos que isso.
Eram almas conectadas, que algumas vezes sofriam com os maus-contatos que as diferenças das amarras pessoais lhes impunham.
Almas-gêmeas. Já tinham dito isso uma, duas, com três pessoas diferentes formavam esse trio de causar reboliços emocionais, efervecências de despedidas e de retomadas também.
As promessas não duram pra sempre, sabiam disso, conheciam a dor de uma lenta esfacelação das relações, ou dessa em específico, que não tardaram a reinventar.
Já tinham passado verões, carnavais, invernos e *fernos, férias colegiais, horas de estudo, porres, sofrimentos, perdas, colapsos nervosos, papos intensos e horas de telefone juntos. Acumulavam milhas e queriam acumular muito mais.
Já tinham compartilhado presentes suficientes para gerar uma nova vida. Tinham um passado invejável e para um deles, um futuro de momentos mágicos.
Esse poderia afirmar de pés juntos que já sentira uma reciprocidade lancinante partindo do corpo, do olhar, da respiração, do coração do outro.
Afirmações essas que nunca tivera coragem de confrontar com a realidade, ou tentara(poucas vezes como quem joga um anzol no lago com muito medo que algum peixe o alcance) sempre sem sucesso. Nunca saíram do platonismo de um amor de infância. Não permitiria o fim da partida pela falta grave de um carrinho mal dado. Pela antecipação de uma jogada que deveria ser natural e bilateral, como os acordos que visam arreganhar as intenções entre dois países com interesses comuns, ou não.
E assim, o interesse sempre pareceu uma via de mão única. Enquanto o interessante esbanja gingado, testosterona e um punhado de adjetivos celebraveis, o outro, o interessado, se julga menor, pouco desembaraçado e menos atraente pelo somatório de fatores que seu objeto de admiração e apoio.
Digo objeto pela implicância que projetar um futuro em cima da participação do outro possui. Tal qual uma muleta, o fascinado antecipou os rolos 35mm desse filme que, pelo andar das decisões, pode nunca existir e nunca existiu de fato.
E saibam que ele tem ciência dessa condição pouco racional que é solidificar uma idéia de tempo que não existe e nunca vai existir (se olharmos pelo viés do único momento que podemos viver, o agora).
Entre os muitos agoras colecionados por esses dois, há a certeza das coleções serem diametralmente opostas. Cada um pintou seus cortexis visuais com uma figura, a do outro. E à essa figura atribuiram importâncias e papéis diferentes. Em afeto talvez se assemelhem, mas em desejos, é conhecido de todos que divergem.
E é nesse meio de seres e não-seres, de tudos e nadas, e de milhas acumuladas que eles voltam pra casa, de taxi. de uma festa não muito animada.
O interessado pouco etílico e o interessante álcoolicamente efusivo. O taxista que o diga.
Um deles se irrita de não estar na mesma sintonia e desperta os nervos a cada toque entre-gestos do outro.
Um ama sem certeza da órbita desse amor transeunte. O outro ama de forma simples, ama um amor puro e fraternal.
As admirações sempre se misturaram aos julgamentos que a amizade permite.
E nesse clima eles eu(como devem ter percebido a autobiografia medrosa do meu tom), que larguei esse texto há uns dias e retomando hoje, já tendo assistido ao filme Notas sobre um escândalo, decido encerrar para não parecer a Bar ou Judi Dench, que loucamente escreve em seus diários, memórias e fatos que só aconteceram em sua cabeça doentia e que só contribuem, encerrados no diário a-pe-nas, para diminuir ou reforçar o GAP (mind the gap, remember) entre a realidade e a platonice criada por seu cérebro.

Faço isso por não ter certeza do limite entre minha sensibilidade com as coisas que me cercam e a interferência do meu cérebro com suas contribuições emocionais para decodificar essas estímulos recebidos(ou criados) pelos meus sentidos.

Nada como o passar dos dias, entre a ânsia de relatar um devaneio e a racionalidade de decidir tranca-lo no crânio por mais um tempo.
Talvez um dia eu volte, marinheiro, faceiro e quem sabe com outros amores bem correspondidos.

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Atenção, esta é uma postagem retroativa. Sua data original é 27.abril.2010
O texto foi escrito entre 18.04(criado) e 25.04(editado) de 2010.
Se você chegou até aqui, don`t call me.
A covardia não me deixou abstrair o gap.
A coragem não me deixou guardar esse texto.
O respeito ao (f*cking)"status quo" não me deixou publica-lo na data certa.
E o nabo? Põe ele preto pra vc ver!
=*
Com humor e amor.bint
(isso não é uma carta
tampouco um texto
ou um blog)
esqueça tudo que já vivemos antes, e acenda um cigarro!

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