samedi 1 septembre 2007

[registros]


do baú]

Registre-se, acumule papéis, gaste durex, rolos de filmes, caixas de dias.
É para isso que vivemos.
Somos apenas acúmulo.
Registre-se.
Não há outro meio de ser. Sem registro não se é, não se vive, não se pode muito.
Um pequeno lapso no baú dos registros e toda a culpa recai sobre você.
Como não lembra?
REGISTRE-SE!
Certidão de nascimento, 'xeroxes' sem fim, identidade, documentos, álbuns, cadernos, etapas, bandeiras na lua, orkut, fotologs, livros, manuscritos, hieróglifos em paredões monumentais, cuspidas de tinta carmim sobre mãos em pedregulhos e cavernas...
REGISTRE-SE!
Seja você, seja feito de lembranças, recentes, antigas, centenárias, vividas, assimiladas, resgatadas nos parques, em conversas com um caco da infância que insiste em cruzar o caminho...
REGISTRE-SE!
Entregue-se a vida, escreva um livro e registre suas palavras, plante uma árvore e registre seu nome nela, tenha filhos e deixe seu sangue registrado em outros corpos, seu sangue que não é seu senão por infinitos registros de códigos, genética, combinações, transmutações, até nisso somos registro do que passou
...registre-SE...
Anote, contemple, memorize, decore, aprenda (?)... Ora, o que é o aprendizado senão aquele registro a ferro que dura visível e acessível até o próximo incêndio e a próxima deformação?
Somos montanha, nos reconhecemos em meio ao lixo, somos o castelo de areia temeroso em desmoronar com o tempo, com o vento, com a linearidade imposta dos nossos registros. A isso não somos imunes, pois nos tornamos idealizadores, executores e objetos da própria linearidade organizacional que rege tudo aquilo que, para e pela evolução, deve ser registrado.
RE-GIS-TRE-SE!
Tire fotos, cerque-se de indivíduos com boas memórias, então dê a eles um banquete de bons momentos, boas histórias, recordações ternas, inesquecibilidades, fidelidades, infinitudes, cicatrizes profundas, marcas de um tempo saudoso...
Registre-se o quanto antes, pois o Alzheimer pode chegar e a margem será seu único porto.
Registre suas idéias, aparências, seus amores, suas vontades, seus momentos, seus bilhetes, tickets, loucuras, lacunas preenchidas e aforismos que parecem sustentar os pilares invisíveis desse mundo.
REGISTRE-SE E SOBRETUDO ENCONTRE-SE, MOSTRE-SE, PERMITA SER REGISTRADO, DOE SEUS MELHORES ÂNGULOS, SEUS MELHORES PONTOS DE VISTA, SUAS MELHORES LEMBRANÇAS, PIADAS E CANTADAS. Doe sua essência que é única mas faminta como todas as outras.
Faminta por registros, memórias, quilometragens, linearidades, passagens. Não tenha medo de cair na obesidade dos registros, não finja ter menos bagagem do que realmente coletou ao longo das caçadas. Não se envergonhe de ter rodado mais, acumulado mais contas em banco, boletins escolares, receituários médicos, notas fiscais, listas de mercado, solas gastas, roupas furadas, chaves perdidas. Não mascare seu baú, não troque seu armário por uma caixinha de fósforo, não tema ser um saco de registros sem platéia, um livro sem a dança dos marca páginas, um velho acumulado de boas, agora já desinteressantes e velhas lembranças.
Esqueça-se um pouco, esqueça da vida, esqueça as chaves, os horários, os dias, as contas, os acúmulos, os freios, o tempo, a organização dos pratos, a localização dos hiatos e o caminho da padaria à loteria.
Esqueça a lógica, a retórica, troque arbustos, mistures cabrestos, sorria aforismos descasados, permita a falta de nexo, desfile suas mangas pela caixa de pregadores espelhados que o saco não suporta, mas o celular aposta que ganha.
Perca o sentido, seja o rabisco que o cabelo faz ao palhaço sem nabo de barco rouco com peruca de anel de gato blindado.
Esqueça da laranja das sem mentes e garatujas passeatas da imaginação reflorestada no poente do mar de mel que o besouro não ousou fotocopiar nas ruelas sem sons e arestas sem ar.
Ai que saudades que tenho das lembranças futuras que somente e genuinamente as poesias dadaístas que jamais plantei, libertavam sem perdurar.


do baú]

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