soltando poesia presa, ou soltando o intestino só.
poderia dizer que eu gosto muito de Escrever
mas acho que o que eu gosto mesmo é de digitar.
ver as palavras surgindo numa tela, os dedos tocando uma melodia rápida como se entorpecidos em alguma pista de dança muito louca.
Sim, eu amo digitar rápido. Como se liberasse um fluxo de pensamento cheio de erros de ortografia ou digitação que mais tarde serão corrigidos, serão editados, serão lidos e relidos 2, 3, 7, 12 vezes antes de encontrarem algum olhar que não seja o meu próprio. Isso, claro, se eu estiver falando de um texto aleatório, reservado a existir em alguma publicação de rede antissocial ou lugar onde as pessoas acedem para ler os textos de outras.
Mas estava pensando antes de resolver digitar esses pensamentos o quanto eu adorava flertar digitalmente, pela internet. O quanto eu desenvolvia um estilo de flerte, digitação e sarcasmo próprios do distanciamento físico. Do estímulo e resposta programados, pinguepongueados com um delay dos bytes correndo o mundo.
Eu saco daqui, pow!
Envio - bytes - leitura - risada graciosa - resposta - pah!
Eram bons tempos. Boas risadas safadas, entretenimento barato de quem queria só uma foda. Mas uma foda com o cenário do senso de humor e da exploração das fronteiras além das convenções já estabelecidos. Acho que sempre encontrei um certo tesão nessa permissão de ser estúpido, ou de se desnudar de seriedades nessa busca de um deslize molhado de línguas na nuca.
Vamos convencionar ou saltar longe delas, que linguarada, lambida, lambada, dedada, suor, cadência, arrepio, leveza, destreza, sussurro, tesão... não são palavras dadas a seriedade. Mas espertas ou despertas de serenidade, aquela serenidade tranquila de quem se permite a estupidez na conquista. Cá entre essas paredes de nós vale tudo pela gozada gostosa, pra ser feliz, tudo pelo clímax, tudo pelo sorriso que alonga a pista da língua enquanto estica o pescoço pra trás naquela incontrolável "petite mort" ou seria um choque de vida? Bom, vale tudo pela criação conjunta de uma estática extática que arrepia cada mitocôndria e inspira cada hemoglobina a querer mais prazer, mais joie de vivre, mais vida. E quando eu digo q vale tudo, vale tudo que arranca sorriso safado. Esse negócio de arrancar cabelo e arrancar pedaço não me interessa.
alguma coisa me inspirou a escrever e a relatar que gosto mesmo é de digitar e que sinto falta desse flerte virtual ou só saudade mesmo. Não sei se saudade é falta. Acho que às vezes é só carinho com uma memória. talvez me sentisse ridículo fazendo isso hoje. talvez por isso não tenha flertado nenhuma vez nesse inferno de distanciamento. talvez o que tenha me inspirado a digitar tenha sido essa sentada que dei no computador às vésperas da meia noite de um novo dia, numa culpa profunda de uma procrastinação cretina que me coloca na impossibilidade de concentração pra terminar um trabalho que tá atrasado há 3 dias, ou 3 meses, depende de qual promessa de entregar a manhã você esteja usando como ponto de partida. Talvez tenha sido ouvir 3 podcasts tão viscerais hoje e ter pensado que ainda não gravei o meu. Mentira. Não foram todos viscerais. Um foi bobageira com um participante que pegou um amigo há 10 anos e sabemos que tem uma jambrolha gold. Outro foi com o tesão da minha adolescência e sexólogo mais querido da extinta eme tê vê, o doutor delícia Jairo Bauer. O terceiro sim foi visceral e na real foi o segundo que ouvi se tivesse contando na ordem certa. Mas esse sim, com melhor nome de todos, aquele nome que já é um abraço de vó de família classe média anos 80 com muitos netos só pelo nome, o Angu de Grilo de Flavia Oliveira, a verdadeira sensatez da internet, real e palpável demais pra ser fada e por isso mesmo melhor que a presepada de garotada influencer sem defeitos. Acompanhada da também xófem como a garotada, mas tão firme, potente e real quanto seu timbre de voz cortante, daquela que sintoniza na realidade na hora - sem bulshitagem pra cima de mim, bróther - Bela Reis. A autora do tal discurso visceral que falei. Bela fez uma ode à infância e a responsabilidade dos adultos para com essa fase da humanidade, sem rodeios, sem romance e mais importante e potente que a declaração inteira do ECA - Estatuto da criança e do adolescente. E Flaviol, como configura o arroba, ainda sacou na peteca que não só a infância, mas a senilidade também merece essa atenção. E a verdade é que não sei se foi esse discurso aplaudível de pé, inspirador e chamando na chincha da crueza do humano adulto mimado e consumidor que estamos nos tornando mais a cada black friday, pra nossa responsabilidade indiscutível de manter as crianças protegidas, alimentadas, atendidas em suas incompletas faculdades mentais e motoras para que então, um dia, se tornem adultos funcionais e críticos como nós, não sei se foi isso ou o despertar pra solidão que me fez driblar o trabalho atrasado de novo e vir digitar essa redação do enem sobre tudo e sobre nada. Essa gangorra que eu adoro. Aquela gangorra de tear que perde o fio da meada e só fala porque é só pra isso que meu sangue tá circulando nesse momento. Pr'um digitar sem fim, tão azeitado, sensível, sofrido e fluido quanto o monólogo brilhante de Chico Diaz em A Lua vem da Ásia. putaquelpariu pra essa peça, pra esse sentimento, pra essa loucura que encanta e assombra na mesma medida.
Talvez tenha sido isso que me fez escrever ou digitar tão loucamente às 00h06 de uma quarta que virou quinta e que atrasou mais trabalho e que me fez lembrar do tesão dos bate papos do ano dois mil, onde eu brincava de ser sacana de propósito pra já antecipar num prólogo gostoso aquele sorriso que alonga a pista que a língua percorre fazendo charminho depois de um gozo esplendoroso que arrepia suado e coroa aquela exploração que dois corpos fazem às leis da física ou da quântica, ou sei lá, desafiando o tempo a durar uma eternidade em outra dimensão.
Aliás, se Soul não fosse da Disney, aquela dimensão do transe estaria cheia de transa, né?
Talvez tenha sido o podcast que nunca gravei o livro que nunca escrevi, os 400 dias completamente sozinho e responsável por mim mesmo. como casa caralho.
Talvez tenha sido a louça q não posso mais lavar depois das 22h30 em respeito ao vizinho cuja cabeceira faz fronteira com a minha pia. CARALHO DE ARQUITETO BURRO. Nunca cogitou o avizinhamento entre a cozinha de um notívago solitário em pandemia e a cabeceira de um atlético cordeiro, de quem pula corda 4 - 7 x ao dia, que deita cedo, levanta pra mijar 3x antes do outro vizinho ir dormir e acorda com as galinhas e já tá saindo pro jogger antes das ingratas seis horas da manhã. E porquê eu sei isso? Pq lá pelas seis, sol nascendo, é minha hora de levantar pra mijar e numa dessas já ouvi a porta do vizinho, porta do elevador, espiei da janela e lá vai o jovem atleta mover o corpo.
Não sei direito qual foi esse estopim, mas sei que meus dedos estão exaustos, meu cérebro encantado de finalmente depois de 976 ciclos lunares, voltar a bailar com os dedos que mais catam milho que bailam como um corpo de ballet no palco do Faustão. Tá mais pra 4 nerds de filme de formatura americana tentando performar uns moves na pista de teclas enquanto o resto fica no banco de reserva ou no beat do espaço e do ponto. hahaha
Sei lá quem vai ler isso um dia, mas talvez esse texto só exista pra dizer que é foda demais seguir mais de um ano sozinho, trancado num apartamento de 30m2, com a coluna em frangalhos, trabalhando em esquema home office durante uma pandemia, com interações sociais mínimas e tendo que decidir absolutamente tudo sobre a sua sobrevivência. tem dias que acordo e jejuo por preguiça de lavar a louça pra conseguir comer. outros eu só como o café na hora do almoço, pq a tristeza não me deixou colocar a máscara de oxigênio em mim antes de logar e começar a trabalhar. É foda, mas a gente conta com podcasts e memória de tempos bons em que um flerte virtual já setava o tom da excitação de um encontro futuro. Sei lá quando vai acontecer outro. E foda-se. ou Fodo-me, que é o que se tem ao alcance quando se está sozinho.